segunda-feira, 20 de junho de 2011

SIGILO ETERNO

A expressão “é segredo de estado” nunca foi tão apropriada para o momento. Depois de viver por mais de duas décadas sob a ditadura militar, que matou, torturou e deixou terrí­veis marcas em uma geração, o Brasil pode ter documentos oficiais de sua história mantidos eternamente ocultos nos porões sem endereços e sem nomes. O governo passado havia proposto mudança na lei do sigilo, com 25 anos para documentos ultrassecretos e a possibilidade de renovação por mais 25 anos. A Câmara dos deputados aproveitou a ocasião e retirou da lei o texto do sigilo eterno.

No vai e vem da burocrática caminhada das leis, dois ex-presidentes – Fernando Collor de Melo e José Sarney – , por razões óbvias, começaram a pressionar o governo a manter o tal artigo que trata dos arquivos secretos. A forte pressão levou o governo a solicitar que a matéria recebesse sinalização de urgência no senado federal. Graças à manifestações de entidades populares, de familiares dos desaparecidos no perí­odo da ditadura e até da ONU, o documento saiu do regime de urgência e pode ser discutido sem que a espada do governo esteja apontada para o Congresso.
O absurdo do tema viola todas as perspectivas de crescimento nacional, seja econômica, social ou polí­tica. É impossí­vel um povo evoluir sem conhecimento de sua história, sem saber a verdade. A lei já é dura para os cidadãos que até hoje procuram saber o que aconteceu no perí­odo recente dos governos militares. Imagine se a questão da ocultação histórica dos documentos for perpetuada. Até hoje as mães dos desaparecidos no Araguaia, aqui no Pará, choram por não saber dos restos mortais de seus filhos e de como morreram. Só isso já bastaria para que o governo brasileiro – se estivesse atento à ordem mundial sobre transparência – liberasse os arquivos para historiadores e pesquisadores ou qualquer cidadão.
Como no Brasil tudo depende dos acordos, e até a anistia foi negociada para que fossem restabelecidos os direitos polí­ticos e as eleições diretas, é possí­vel que voltem à cena velhos conchavos que têm por fim atrapalhar o avanço das ideias de que a sociedade hoje precisa. Em todo caso, o parlamento tem que estar alerta e se posicionar contra qualquer medida que nos leve à ignorância perpétua. Afinal, do que temos medo? Não bastam 50 anos de ocultação dos tais documentos ultrassecretos como proteção aos segredos de estado? O que pode, depois de 50 anos, mudar a ordem social e a posição brasileira no mundo? A história deve ser aberta, discutida, porque é melhor do que ser especulada. A história especulada pode levar a leviandades. Muitas figuras públicas têm seus nomes manchados por especulações que jamais são provadas de forma documental. Por outro lado, mitos históricos podem ser revelados como seres humanos que têm pecados. Que mal há nisso? O que não pode é a nossa história ser obra de ficção. O fato histórico tem que ser provado de forma cientí­fica.
Por todos esses detalhes é que até hoje não se discute nas escolas o processo que instaurou a Ditadura Militar e todos os seus famigerados Atos Institucionais (ou inconstitucionais), como o mais famoso deles, o AI-5. O Brasil tem de acordar para o século 21 e fazer sua catarse por meio do conhecimento de sua história. A sociedade brasileira não merece ser alienada por falta de informação.
JADER BARBALHO

*Texto originalmente publicado no jornal Diário do Pará no dia 19 de Junho de 2011.

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